O Santo e o Profano - Celibato, pedofilia e corporativismo, dentro e fora da igreja

Recebi hoje em minha caixa de email um texto, enviado por um colega de faculdade, supostamente escrito pelo Jabor, sobre a questão do celibato e dos casos de pedofilia na igreja católica. Como a mensagem veio de um membro do grupo de email da minha turma da facul, resolvi responder e iniciar uma reflexão com a tchurma. Mas quando vi já tinha escrito um texto enorme para um email. Então resolvi postar aqui o tal texto e minha resposta ao meu amigo, assim outros poderão entrar na discussão também.
Eis abaixo o texto, supostamente do Jabor:

"Só os anjos não tem sexo
Arnaldo Jabor
Os olhos do papa me inquietam. São olhos frios, perscrutadores, inquisitivos. O corpo se mexe, sob o manto rubro e dourado, os gestos são eclesiásticos, mas os olhos são fixos, defensivos, preocupados em esconder os desvios de um dogma superado e "inevitável". Nessa onda de denúncias contra os padres pedófilos, seus olhos ficaram mais duros. Não digo que ele seja conivente com a pedofilia, mas são olhos desconfiados, olhos em que há medo das mutações do mundo.
Claro que o celibato não é a única causa da pedofilia na Igreja. Mas, a própria escolha da vida religiosa já é uma negação alucinada da sexualidade - se a força máxima da vida é esmagada, a Igreja vira uma máquina de perversões. Claro. Pedofilia e homossexualismo pairam no ar de qualquer internato religioso.
Alguns religiosos dizem que a pedofilia não é resultado direto do celibato, pois o padre insatisfeito poderia procurar um adulto, como fazem tantos no interior do país onde, diz a lenda, as mulheres amantes de batinas viram "mulas sem cabeça".
O problema é que em colégios e conventos há a facilidade de pupilos dóceis, a obediência reverencial, o medo infantil... Além disso, procurar um adulto seria assumir uma sexualidade plena, da qual o noviço foge desde o início. Talvez vivam a fantasia de que molestar uma criança seja um pecado venial, incompleto, infantil, uma decorrência perdoável da proibição da Igreja. O pedófilo também é infantilizado.
No velho colégio de padres onde estudei, a entrada dos alunos já era um desfile de velada pedofilia. O padre reitor - ahh... tempos antigos de batinas negras - postava-se imóvel na porta da entrada, numa pose paternal e severa, com as mãos oferecidas para abençoar os alunos. Passavam por ele duas filas de meninos, beijando suas mãos. Havia algo de veadagem naquilo, aquela negra batina imóvel como um manequim, as mãos beijadas por mais de 500 meninos de calças curtas. Ainda me lembro do vago cheiro de sabonete e cuspe na mão do padre.
Eu via as mães dos alunos, lindas, com seus penteados e decotes imitando a Jane Russel ou Ava Gardner, fazendo charme para os padres enlouquecidos pela castidade obrigatória. E eu me perguntava: "Meu Deus... por que padre não pode casar?" Lembro-me do tremor dos jovens sacerdotes, excitados pelas madames pintadíssimas, trancando-se em negras clausuras, esvaindo-se no "vício solitário".
E esses mesmos padres nos diziam: "Cada vez que vocês se masturbam, morrem milhões de pessoas que iam nascer. É um genocídio! Igual ao que o Hitler fez!" E nós, além do pecado, sofríamos a vergonha de ser pequenos "Hitlers" de banheiro. Eu pensava: "Por que tanta onda sobre nossos pobres pintinhos, por que essa energia que sinto em minha carne é criminosa?"
A masturbação era um crime inafiançável. Iríamos queimar no fogo por toda a eternidade. Lembro-me da descrição da eternidade no inferno: "Imaginem que o planeta seja um grande diamante duríssimo. De cem em cem anos, um passarinho vem voando e dá uma bicadinha na Terra. Só no dia em que toda a Terra for esfarinhada pelas bicadinhas, terminará a eternidade." E eu sofria, me esvaindo nos banheiros, pensando naquele passarinho que bicava o mundo, enquanto eu acariciava o outro passarinho se preparando para uma vida de traumas e medos.
No filme que acabo de fazer, há essas cenas, interpretadas por dois grandes atores - os "padres" Ary Fontoura e Jorge Loredo (o "Zé Bonitinho").
No colégio, tudo era sexo dissimulado. Essa palavra terrível estava em toda parte, como uma ameaça vermelha. O Diabo nos espreitava detrás da estátua de Santa Tereza em êxtase, nas coxas dos anjinhos nus, nos seios fervorosos das beatas acendendo velas.
A angústia da proibição sexual era visível: rostos mortificados, berros severos e excessivos nas aulas, castigos sádicos, perseguições a uns e carinhos protetores a outros.
Eu mesmo fui assediado por um padre que era notório cantador de menininhos; ele fazia mágicas para ser popular e, um dia, tentou me beijar num canto da clausura. Criado na malandragem das ruas, fugi em pânico. E falei disso em confissão com outro padre, que mudou de assunto, como se fosse uma impressão minha, como se a pedofilia fosse uma prática improvável, exatamente como os cardeais americanos fizeram. Há, sim, uma tolerância velada com esses desvios criados pelo antigo dogma.
A mim ensinaram que o prazer era um crime. A partir daí, tudo ficava manchado de culpa; a alegria era falta de seriedade, a liberdade era um erro, as meninas eram seres inatingíveis com seus peitinhos e bundinhas. Até hoje, vivo dividido entre as santas e as "impuras"; quantas dores senti na vida por esses ditames que transformavam as mulheres em perigos, em "Liliths" demoníacas, tão ameaçadoras quanto o intenso desejo que tínhamos por elas. A mulher, como Eva ou Pandora, era a origem de todos os males. Delas saía a vida e a morte, delas saía o prazer pecaminoso, o mal do mundo. Essa doença mística gera desde a burca até o strip-tease, numa antítese simétrica.
O problema da Igreja com o sexo leva-a a uma compreensão quebrada da vida, leva-a a denegar a aids, a condenar o aborto, o controle social da natalidade e a outros erros maiores, advindos de um vazio originário, desde o Concílio de Latrão em 1123. Sem o sexo, os religiosos seriam quase "anjos", mais próximos de Deus.
Uma das grandes desvantagens da Igreja católica diante de outras religiões é o celibato. Daí, em cascata, surgem problemas que justificam a queda do prestígio da Igreja na era do espetáculo e da derrubada de certezas.
Hoje piorou. O mundo virou uma incessante paisagem de bundas e seios nus, da hipersexualização que nos espreita no trânsito, nas ruas, na TV. Já imaginaram esses padres vendo as gostosas sexy do momento, trancados em escuras celas, sob o voto de castidade? Noite escura, sino batendo e a BBB nua na capa da revista? Esta é a minha ideia de inferno."


Agora meu comentário sobre o texto:


Muito bom o texto do Jabor, não sou muito fã dele não, confesso, mas nesse texto ele foi bem perspicaz. Nada que Freud já não tenha dito de alguma forma né pessoal, mas muito pertinente, sem dúvida.

Acho também que, em relação à omissão do então cardeal Ratzinger (hj bento XVI) diante das denúncias e até evidências de casos de pedofilia nos states, há uma questão mais complexa e mais comum também; houve um pouco daquele espírito perverso de corporativismo, de intolerância com os de fora e conivência e tolerância condescendente com os "de dentro", e só quando a m... vai pro ventilador é que os caras vem pedir desculpa etc e tal. E nisso aí (nesse tipo de comportamento) dá pra incluir muita gente de fora dos arraiais religiosos, senão vejamos: conivência dos tucanos com seus comparsas do DEM, filhotes da ditadura, tolerância da cúpula do PT para com seus Dirceus da vida, que pensam que em nome da revolucion vale tudo; conivência do próprio Arnaldo Jabor, inúmeras vezes, diante dos abusos cometidos pela imprensa (principalmente de sua querida globo), a tal ponto de, quando se propõe alguma forma de regulação sobre a mesma, como no PNDH, o tal jornalista sair por aí chamando o presidente de Ditador bolchevista chavista etc. bla bla bla... E a conivência corporativa da polícia, dos médicos...quantas denúncias de abuso já devem ter sido arquivadas nos conselhos de medicina?!

Ou seja, além das questões mais, digamos, freudianas do celibato, tão bem explicitadas nesse texto do Jabor, há também a questão desse espírito de seita, aquela coisa meio nós e os outros, que faz com que os erros cometidos entre os "nossos" não sejam assim tão graves, enquanto os erros dos "outros" são passíveis do "fogo eterno".

Uma coisa curiosa da Bíblia (livro aliás muito mais lido por intelectuais ateus ou agnósticos da europa do que por líderes religiosos) é que nela as mazelas de seus heróis são expostas sem maquiagens. Com exceção de Jesus, considerado pela tradição cristã como o único infalível por ser Deus-Homem à la fois, todas as outras pessoas são retratadas com suas imperfeições e incoerências. Afinal, São Pedro negou que conhecia a Jesus, era racista e vivia pagando mico; o famoso rei Davi, reverenciado por judeus e cristãos até hoje, pra quem não sabe, transou com a mulher de um soldado do seu exército que estava em campanha e, a seguir, deu um jeitinho de colocar o cara pra morrer na frente de batalha, pra abafar o caso, já que a mulher engravidara. O  patriarca Abraão, admirado por judeus, árabes, muçulmanos e cristãos, se meteu num monte de atrapalhadas, mentiu pra caramba, por pura covardia e falta de fé. O próprio Jesus Cristo tem na sua ascendência uma prostituta (Raabe) além de Bate Seba, a mulher que traíra o marido com o rei Davi, caso já citado acima. Nada disso foi oculto dos leitores nos textos bíblicos, pois a ênfase das Escrituras segundo o Evangelho não são os santos (no sentido católico do termo) mas sim o amor incondicional de Deus por pecadores incoerentes e frágeis e o Seu convite a que venham com são e estão para vivenciarem essa realidade de amor com a Trindade Divina. Infelizmente, o cristianismo mainstream (juntamente com o islamismo e o judaísmo oficiais) falsificou essa afirmação contida no espírito dos textos bíblicos, e acabou produzindo esse elefante branco e descartável que é a religião organizada e institucionalizada.

Portanto, tomara que que esse momento de mea culpa da igreja de Roma possa ocorrer também em outras esferas e instituições do mundo ocidental-capitalista, onde estupros e abusos, físicos, emocionais e psicossociais acontecem todos os dias, sob o olhar conivente das nossas autoridades, tanto as santas como as profanas.

Comentários

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Marcão, isso que venho tentando dizer para a minha mãe, que insiste em me enquadrar dentro de uma religião - organizada e institucionalizada (se melhor, a católica), há algum tempo. Vou pedir para que ela visiste o seu blog por uns tempos...

    ResponderExcluir
  3. Bacana Ivna. Realmente precisamos entender que Deus não cabe em nossas instituições e definições, e, ao mesmo, tempo, termos um pouco de paciência com aqueles que ainda precisam dessas mediações. O mais importante é a fé, a esperança e o amor - como diria o apóstolo Paulo, mas o mais importante desses é o amor. O resto é superestrutura rssrrsrs. Volte sempre, e sua mãe é bem-vinda também! Abraço.

    ResponderExcluir
  4. Marcão o texto é do Jabor sim
    Saiu no O Tempo do mês passado mas nao me lembro A procedencia da informaçao é garantida
    Abraços

    ResponderExcluir

Postar um comentário

A construção do conhecimento é uma obra coletiva. Por isso deixe aqui seus comentários. Obrigado!

Postagens mais visitadas deste blog

Meditação: O que é e quais os benefícios?

Negócios Sustentáveis: o grande desafio do momento